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Crônica de Viagem: Três Marias

O Baú Dos Tesouros
Diferente dela, toda sua família adorava pescar e acampar. Adoravam tanto que após adquirir um pedaço de terra a poucos metros da represa de Três Marias, seu pai resolveu montar um cantinho para eles. Esse cantinho foi carinhosamente chamado de toca do Robson, e nada mais é que um baú de caminhão adaptado, por onde já passaram dezenas de pessoas diferentes, e em diferentes época. Mas neste fim de semana em específico, só iriam ela e sua família.

Ela foi acordada por sua mãe e assustada começou a chorar por não ter terminado as atividades da escola que deveriam ser feitas durante ás férias. Mas sua mãe logo a acalmou dizendo que não iriam à escola, ao contrário disso, eles estavam indo viajar.

Eram cinco horas da manhã e mesmo sonolenta ela ajudou sua mãe a fazer as malas rapidamente. E ainda escuro saíram em viagem. Ela tomou seu lugar atrás do banco do passageiro (sua mãe), o caçula se sentou no meio, enquanto o irmão do meio tomou seu lugar atrás do banco do motorista (seu pai). Na verdade o único lugar marcado no carro era o do irmão do meio; ele sempre tinha que viajar atrás do banco do motorista, com o queixo apoiado no ombro do pai. Ali ele dormia e muitas vezes até babava. E ai de quem ousasse trocar de lugar com ele.

Ela deitou a cabeça no travesseiro apoiado no vidro lateral, enquanto o irmão caçula a fazia de travesseiro. Seu pai tomou o lugar do motorista e sua  mãe se assentou no banco do carona. Aliás, sua mãe também tinha lugar marcado; a mão esquerda no colo do pai. E esses eram os detalhes que davam vida a viagem.

Como acontecia todas as vezes que chegavam ao baú, foram fazer a faxina no local para não serem surpreendidos por bichos. Após fazerem a faxina foram nadar enquanto seu pai e sua mãe pescavam. As pescas durante o dia não eram bem sucedidas, afinal, eles faziam tanta bagunça na prainha que os peixes preferiam fugir ao invés de comer. Prainha era como chamavam o lugar que nadavam. E sumir era o  que assim como os peixes, o pai também queria, mas não podia tinha que ficar de olho.

Nas noites acendiam o fogo, assavam carnes e peixes, e contavam histórias que na maioria das vezes matavam as crianças de medo. Dentro do baú era tudo muito escuro então não importava o calor, todos se apertavam; o que gerava algumas  reclamações dos pais que pediam mais espaço para pelo menos conseguirem virar para o lado.

Durante os dias a rotina era praticamente pesca e nado; hora as crianças nadavam e os adultos pescavam, hora todos nadavam ou pescavam. Isso quando as crianças não saiam para  procurar o tesouro escondido. Tesouro que nunca foi achado, mas que seguia a lógica: se tinha um baú, tinha que haver um tesouro. E foi nessa brincadeira que ela ganhou a maior cicatriz de todos os tempos.

Seu pai havia proibido todos eles de atravessarem a cerca porque do outro lado poderia ter cachorro. Mas, o que eles entenderam era que do outro lado da cerca estava o tesouro. Esperaram até que os pais estivessem distraídos e foram procurar o tesouro. Foram passo por passo,o mais silencioso possível. Com um pedaço de galho seco em uma mão, na outra um pedaço de tijolo que foi quebrado propositalmente para servir de binóculos, deixando dois buracos por onde olhavam, e assim seguiram pelo caminho um dando cobertura para o outro.

Passaram por debaixo da cerca com os corações disparados, apesar de estarem muito bem armados com seus galhos e binóculos. Enquanto os meninos estavam preocupados em achar o tesouro, ela medrosa como sempre, estava preocupada com seu pai. Ela quis voltar, mas seus corajosos parceiros de expedição não deixavam, diziam: “A gente te protege!" E assim se afastaram cada vez mais da cerca, até que as suspeitas se confirmaram, não havia tesouro, e sim três cachorros. Nessa hora juntaram toda a coragem que tinham e correram em disparada para a cerca, sem nem olharem para trás para saber se os cachorros estavam atrás deles, e no desespero, um pedaço da pele do joelho dela ficou na cerca.

E agora? Mandaram que ela aguentasse calada e não chorasse para o pai não ver. O pedaço de pele que foi possível recuperar foi colocado de volta no lugar pelo irmão caçula enquanto o outro tentava não desmaiar com a quantidade de sangue. Chegando no acampamento, todos com os olhos esbugalhados e a respiração ofegante, levantaram as suspeitas dos pais que obtiveram a confirmação da desobediência quando o pai perguntou:

-Que monte de sangue escorrendo pela sua canela é esse, Nega?

Pois bem, não havia internet e nem água encanada. A única energia existente era a que vinha de cada um dos cinco corpos. Não era um rancho, fazenda, sítio ou nem mesmo uma chácara.  Era um pedaço de terra com um baú, cercado por um monte de água. Se era assim, onde estava o tesouro? Estaria na natureza ao redor? Estaria na comida que levavam? Estaria nas roupas que usavam? Vai saber... Ali não parecia haver nada além de momentos.


Autora: Zaine Lourenço
Crônica de Viagem: Três Marias
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